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Autofala e esporte: estímulo discriminativo na melhora de rendimento

Scala; Kerbauy

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

ISSN 1517-5545 versão impressa

 

Autofala e esporte: estímulo discriminativo do ambiente natural na melhora de rendimento

Self-talk and sports: discriminative stimulus of natural environment to improve performance

 

Cristiana Tieppo Scala1; Rachel Rodrigues Kerbauy2

Universidade de São Paulo 

 

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RESUMO

 

Estar concentrado é um aspecto importante para o bom desempenho no esporte. A concentração é a capacidade de colocar a atenção no que é relevante para a tarefa realizada, isto é, isolar estímulos discriminativos que exerçam controle sobre o desempenho. Este estudo utilizou a prática encoberta em forma de imaginação e autofalas para colocar o comportamento do atleta sob controle dos estímulos da corrida, a fim de melhorar a concentração e conseqüentemente a velocidade de cinco corredores barreiristas. O objetivo foi verificar se a utilização de autofalas que especificam contingências presentes de velocidade pode melhorar o desempenho. Foi utilizado o delineamento experimental de linha de base múltipla entre sujeitos, durante 14 dias, com introdução do tratamento em dias diferentes para cada atleta, o que permitiu verificar o efeito das variáveis estudadas. Os resultados mostram que quatro entre cinco corredores melhoraram a velocidade em tiros de 60 metros com barreiras, após a utilização do tratamento. Discutem-se os resultados em base à correspondência entre falar e fazer, o efeito da regra instruída sobre o desempenho motor.

 

Palavras-chave: Controle de estímulo, Instrução individualizada, Esportes.

 

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ABSTRACT

 

A key point for a good performance in sports is to be concentrated. The concentration is the ability to put the attention into what is relevant to the task, that is, to isolate relevant cues in the athletic environment that exert stimulus control over skilled athletic behavior. This study used a covered practice and self-talks to bring the athlete behavior under stimulus control appropriate of the run, to increase concentration and consequently the speed on 60 meters hurdles to five elite runners. The purpose of this study was to investigate the effects of a specific self-talk on speed performance. A multiple-baseline design across people was employed. Results have shown that four of five runners improved their speed performance on 60 meters hurdles after treatment. The results are discussed in terms of correspondence between verbal and nonverbal behavior, specifically, the effects of rules on motor performance.

 

Keywords: Stimulus control, Individualized instruction, Sports.

 

 

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Autofala3 e Esporte: Estímulo Discriminativo do Ambiente Natural na Melhora de Rendimento

 

A concentração é a capacidade de colocar a atenção no que é relevante para a tarefa realizada. É isolar estímulos discriminativos que exerçam controle sobre o desempenho, como salientam Weinberg e Gould (1996). No esporte, estar concentrado é um dos aspectos importantes para o bom rendimento. Nideffer (1976) em seus estudos em psicologia, em diferentes situações do dia-a-dia e posteriormente no trabalho com atletas, especificou o foco de atenção em dimensões de amplitude (amplo/estreito) e direção (interno/externo) que devem variar em função da demanda da situação.

 

Martin (1997/2001) considera como uma estratégia útil para analisar o conceito de atenção, a resposta do atleta em termos de controle de estímulos. Em função da situação, durante uma apresentação esportiva, o atleta pode ficar alternadamente sob controle de diferentes categorias de estímulos. Segundo Skinner (1974/1993) na atenção estão envolvidas as contingências subjacentes ao processo de discriminação; portanto ensinar o atleta a se orientar para estímulos (deixas) relevantes, isto é, discriminálas corretamente, é uma maneira de melhorar a concentração. Desenvolvendo estratégias para orientar atletas, Osborn, Rudrud e Zezoney (1990) sugeriram a amplificação de determinados aspectos da deixa relevante, tal como pintar de laranja as costuras da bola de beisebol para facilitar a rebatida de bolas curvas.

 

Ziegler (1987) fez um estudo para entender o processo de mudança do foco de atenção quando a intervenção é autodirigida. O atleta, no momento da execução da tarefa, fala uma palavra que lhe dá uma deixa do que fazer. Seu objetivo era determinar os efeitos da técnica de autodirecionamento de estímulos (deixa), através de autofalas para aquisição de duas habilidades do tênis, direita (forehand) e esquerda (backhand), para 24 tenistas iniciantes. Após 32 sessões de linha de base, em que os 24 participantes rebatiam 2 séries de 30 bolas de direita e esquerda, foi iniciada a intervenção. A técnica para controle de estímulos (autofala), foi explicada aos atletas em 4 passos:

 

 

1. Importância de olhar o oponente (no caso do treino, uma máquina que lançava as bolas) e verbalizar ball (bola), quando viam a bola saindo da máquina. 

2. Focalizar nas costuras da bola e verbalizar bounce (salta), quando a bola tocava a superfície da quadra. 

3. Focalizar o contato da bola com a raquete e verbalizar hit (bata), quando viam a bola em contato com a raquete. 

4. Preparar-se fisicamente para a próxima bola, verbalizando a palavra ready (pronto), e focalizar a atenção novamente na fonte de estímulo, a máquina.

 

Os participantes, então, rebateram diariamente 30 bolas de direita e esquerda, durante as sessões de tratamento e foram registrados os acertos.

 

Os resultados indicaram melhora na direita (forehand) e na esquerda (backhand) durante o tratamento, estabelecendo uma relação funcional entre a introdução do estímulo da autofala, ao bater na bola, e o desempenho de sucesso. Isto é compreensível se entendemos as autofalas como regras que, neste caso, descrevem ou dão uma instrução sobre a atividade. Regra para Skinner (1969) é um estímulo discriminativo verbal que descreve uma contingência.

 

Segundo Weinberg e Gould (1996), ao usar a autofala, o atleta dá uma instrução a si mesmo. No estudo de Ziegler (1987) com tenistas, o foco de atenção variava em função da necessidade imposta pela tarefa de rebater a bola, que era descrita pela autofala. A melhora no resultado pode ser explicada pelo fato de a autofala tornar o controle de estímulo mais eficaz. O que se está fazendo, de acordo com Skinner (1974/1993), é cuidar para que um objeto (neste caso a bola de tênis) seja visto em contingências, exigência que só pode ser satisfeita se o indivíduo a ele responder.

 

Mallett e Hanrahan (1997) também estudaram a mudança do foco de atenção através do uso de autofalas. O objetivo do estudo foi verificar se autofalas que descreviam deixas técnicas específicas, para os diferentes momentos da corrida de 100 metros rasos, poderia melhorar velocidade e consistência. No procedimento, o percurso de 100 metros foi dividido em três segmentos diferentes, de 0 a 30 metros (fase de aceleração) de 30 a 60 metros (fase de máxima velocidade) e de 60 a 100 metros (fase de manutenção da velocidade). Para cada segmento foi designada uma autofala relacionada à mudança de técnica: push (empurre), heel (calcanhar) e claw (garra), respectivamente. Os pesquisadores utilizaram sinais de luz aos 30 e 60 metros para indicar a mudança do foco de atenção, e conseqüentemente da autofala. 

 

Os resultados indicaram que os atletas, 12 corredores de elite, correram mais rapidamente nas sessões experimentais, usando as autofalas, do que nas sessões de controle. As autofalas melhoraram o desempenho dos atletas nos três segmentos da prova, mas nos dois últimos, a melhora foi mais evidente. Segundo relatos dos atletas, em entrevista ao final do experimento, a utilização de autofalas com deixas técnicas é melhor que palavras que envolvam emoções. Este dado parece compreensível, já que as autofalas dão uma instrução sobre a atividade.

 

Martin (1997/2001) coloca que as autofalas, como regras parciais, especificam o que o atleta necessita fazer naquele momento. Para Skinner (1974/1993), se a instrução for específica, atua rapidamente sobre o desempenho. Consideramos que o emprego de autofalas no esporte, é a contingência que deve nortear para uma melhor concentração e consequente rendimento técnico. Nesse caso, supomos que no experimento de Mallett e Hanrahan (1997), teria sido mais produtivo que a mudança da autofala se desse diante de um estímulo do ambiente natural e não em presença de uma luz diferente a cada etapa, permitindo generalização do desempenho treinado pelo atleta para a competição. Isto porque a autofala pode colocar o participante sob controle eficiente do estímulo desejado, que são as próprias contingências da corrida.

 

Nas competições esportivas, mudanças no ambiente são freqüentes, como a torcida, o vento, a presença de outros atletas; porém, o desempenho motor não deveria sofrer mudança em função dessas variações ambientais. Skinner (1969, 1974/1993) já havia assinalado que o comportamento modelado por contingências é mais sensível a mudanças que ocorrem no ambiente do que o comportamento controlado por regras. Contudo, para Catania (1984), o estímulo discriminativo verbal pode substituir as contingências naturais. A autofala torna o controle de estímulos mais eficaz (pode intensificar os estímulos relevantes para um bom desempenho na situação) e, portanto, a contingência se torna mais forte, destacada. Como diz Skinner (1969), a regra é útil para complementar as contingências que exercem um fraco controle sobre o comportamento. Podemos inferir que as instruções (regras) podem mudar o comportamento do ouvinte nas situações em que conseqüências naturais são pouco eficazes. Parece, pois adequado, supor que a autofala manteria o comportamento desejado, evitando interferências de variáveis do ambiente que não estão sob controle do indivíduo. 

 

Porém, será que a regra terá efeito mesmo com atletas experientes, que desenvolveram suas potencialidades com treino? Os velocistas do estudo de Mallett e Hanrahan (1997), que eram experientes, melhoraram seus tempos ao usar autofalas. Consideramos que talvez a concentração seja uma variável a mais, que pudesse levar aqueles atletas ainda além para aquele desempenho motor. Neste caso, a instrução garra, dada pelos pesquisadores, não se limitava ao desempenho motor e dava uma dica específica. Catania (1984) afirma que as instruções podem sobrepor contingências naturais: os indivíduos fazem coisas, quando lhes dizem para que as façam, que nunca fariam se somente contingências naturais atuassem sobre seus desempenhos. A palavra garra, então, parece ser mais forte que as contingências naturais do próprio correr e acrescenta mais velocidade para aqueles atletas que ainda não atingiram todo seu potencial.

 

Como Skinner (1969) afirmou, uma vez que as contingências se tornam fortes, elas eliminam o controle pela regra. Há especulações teóricas e estudos experimentais sobre o assunto. Matos (2001) pergunta: “se o comportamento motor complexo, eficaz, bem instalado, se torna controlado por contingências, então por que, em situações de crise (isto é, de mudanças nas contingências), o comportamento verbal de auto-instrução reaparece?” (p.65). A autora, baseada nos estudos de Matthews, Shimoff, Catania e Sagvolden (1977) e Shimoff, Catania e Matthews (1981) sobre diferenças na sensibilidade de comportamentos modelados por contingências e controlados por regras a mudanças que ocorrem no ambiente, aponta que não é o fato de ser controlado por regras que torna o comportamento nãoverbal insensível a contingências naturais, mas sim o tipo de regra empregado para o controle do comportamento.

 

Em continuidade à linha de pesquisa que investigou estas relações, Catania, Matthews e Shimoff (1982) apontaram a distinção dos efeitos do comportamento verbal instruído (governado por regras) ou modelado pelas contingências, nas respostas não verbais. A conclusão dos autores é que o comportamento verbal, quando modelado, tem maior probabilidade de determinar o comportamento motor do que quando é instruído.

 

Diversos estudos (Matthews, Catania e Shimoff, 1985; Risley e Hart, 1968; Israel, 1973; Deacon e Konarski-Jr, 1987) sugerem que há correspondência entre comportamento verbal e comportamento não-verbal, em situações experimentais, sob determinadas condições. Com a proliferação de estudos experimentais em vários assuntos e locais, é possível, nas condições naturais do ambiente esportivo, propor a verificação do efeito da utilização de regras no comportamento motor (não-verbal). Será que um comportamento verbal instruído pelo pesquisador, utilizado durante a corrida com barreiras, pode deixar o atleta menos suscetível a variáveis pouco relevantes do ambiente e assim melhorar seu desempenho? Com essas questões, o objetivo deste estudo foi verificar se o uso de autofalas, que especificam contingências presentes de velocidade, pode melhorar o rendimento de atletas experientes. Isto é, uma regra instruída (não modelada), específica, que indica parcialmente o desempenho motor, formulada e usada segundo contingências ambientais (bloco de saída, barreiras), é adequada para a melhora da velocidade de corredores barreiristas?

 

 

 

Método

 

Participantes

 

Os participantes foram cinco corredores barreiristas, de elite, com nível nacional e mínimo de seis anos de experiência. Salienta-se que esses atletas são raros e por isso o número de participantes foi reduzido, mas atinge 50% dos atletas da categoria no Brasil, à época do estudo.

 

São três corredores de 110 metros com barreiras, do sexo masculino, com tempos médios de desempenho inferiores a 14,04 segundos, e duas corredoras de 100 metros com barreiras, do sexo feminino, com tempos médios de desempenho inferiores a 14,61 segundos.

 

Procedimento

 

A modalidade esportiva escolhida para o estudo foi a corrida de 110 metros com barreiras para homens e 100 metros com barreiras para mulheres. O desempenho foi avaliado pelo tempo utilizado pelos atletas para correr 60 metros com barreiras, em pista adequada. A modalidade “60 metros com barreira” corresponde à categoria indoor (pista coberta), e é utilizado nos treinamentos que antecedem às competições de “100 metros com barreiras”, para evitar lesões. A coleta de dados adaptou-se ao treinamento dos atletas: os tempos foram registrados nos treinamentos de tiros de 60 metros, que aconteciam duas vezes por semana, durante sete semanas que antecederam à competição Troféu Brasil (dar um tiro significa correr o mais rápido possível o percurso proposto). Como esta pesquisa aconteceu na situação natural do atletismo, consideramos importante verificar os efeitos das práticas de Psicologia do Esporte na realidade de treinamento esportivo. 

 

Para a avaliação dos cinco atletas, foi utilizado o delineamento experimental de linha de base múltipla, entre sujeitos. Foi registrado o mesmo comportamento (correr) dos diversos participantes, antes e depois das variáveis experimentais (prática encoberta e autofala) serem introduzidas.

 

No tratamento da prática encoberta, o atleta se imaginou correndo o percurso de “60 metros com barreiras” o mais rápido possível. Foi desenvolvido, pelos experimentadores, um roteiro explicativo para orientá-los. Aliado à imaginação, foi solicitado aos participantes que repetissem autofalas, previamente escolhidas, que serviram como deixas para que focalizassem a atenção em aspectos considerados relevantes, ao longo do percurso. As autofalas foram duas. A primeira vai, como deixa para o atleta colocar a atenção na largada. A segunda passa, no momento em que o atleta ultrapassa as barreiras, como deixa para colocar a atenção nesta passagem. E novamente vai, após a última barreira, na reta final, como deixa para o atleta focalizar na reta de chegada. A mudança da autofala foi determinada pelo momento da prova, sendo a própria barreira usada como deixa para a mudança. Os atletas foram instruídos a utilizar as autofalas durante a prática encoberta e também quando estivessem correndo o percurso de 60 metros com barreiras.

 

Ao final da prática encoberta, perguntou-se aos atletas o que tinham imaginado e se usaram as autofalas propostas. O dado possível, neste caso, é o relato do próprio atleta. Uma maneira de lidar com a acessibilidade do comportamento encoberto é solicitar que o participante o descreva, tornando-o público. Após a imaginação, foi solicitado que cada participante corresse o percurso de 60 metros com barreiras o mais rápido que pudesse, utilizando as autofalas adequadas para cada momento.

 

Após o estabelecimento da linha de base, as variáveis experimentais foram introduzidas em dias diferentes para cada atleta. Considerou-se, antes da introdução da variável experimental, se os dados (tempo de tiro) estavam relativamente estáveis ou em direção oposta ao efeito previsto pelo tratamento. O tratamento, quando introduzido, foi feito antes de cada tiro de 60 metros. Ao final de cada tiro, após pergunta do pesquisador: “Como foi o tiro?”, os atletas relatavam sobre o tiro e se tinham utilizado as autofalas propostas.

 

Os registros de tempo das corridas foram manuais, feitos por uma das experimentadoras e um cronometrista (auxiliar da equipe técnica), nos dias em que os atletas, conforme seu treinamento, deram tiros de 60 metros. Os tempos foram lidos em centésimos de segundo e conforme a regra do atletismo, quando os tempos registrados entre os observadores eram distintos, o oficial registrado foi o pior dos dois (o maior).

 

Esta pesquisa foi realizada com atletas experientes e, portanto, com tempos de corrida bons, próximos aos índices olímpicos. Os efeitos, quando obtidos, foram em décimos e centésimos de segundo, o que pode dificultar a detecção (mascarar) de uma melhora. No entanto, esses intervalos ínfimos de tempo podem decidir uma competição. Além dos dados em tempos, foram analisados os relatos após os tiros, como dados adicionais para avaliar o desempenho. 

 

Foi feita também uma entrevista final com cada atleta, para relatarem qual o momento da prova em que tiveram maior dificuldade, sobre o procedimento, e ainda, se já haviam utilizado prática encoberta ou autofalas anteriormente ao estudo. 

 

 

 

Resultados

 

Os resultados indicam que houve melhora no desempenho da corrida de quatro dos cinco atletas. A Figura 1 dispõe os resultados em linha de base múltipla. Algumas análises foram realizadas juntamente com os dados verbais obtidos para facilitar a clareza e outras incorporadas na discussão em conjunto com as críticas e sugestões sobre o procedimento. A coleta de dados respeitou a rotina de treinamento dos atletas, portanto não há registro de tempos em dias nos quais eles não puderam dar o tiro por motivos vários (lesão, descanso précompetição).

 

 

 

 

 

 

 

Observou-se que o melhor tempo do Atleta 1 na linha de base foi de 7,91 segundos, enquanto que no tratamento foi de 7,63 segundos, melhora de 0,28 segundos. Das sete medidas de tempo no tratamento, seis foram melhores que a média da linha de base, o que dá indícios do efeito das técnicas propostas na melhora de velocidade. O melhor tempo, no 11º dia, vem com o treino e a familiarização das mudanças, principalmente de velocidade sobre a técnica de correr.

 

Em seus relatos, o Atleta 1 fêz boa análise de seu desempenho. Foi capaz de se observar e perceber as dicas proprioceptivas. Identificou, também, variáveis ambientais sutis. Relatou sentir-se bem ao utilizar as técnicas de prática encoberta e autofala. Os dados obtidos em entrevista confirmaram a boa discriminação sobre seu desempenho. Esse atleta discorreu claramente sobre suas dificuldades e facilidades. Foi capaz de perceber o efeito das técnicas de prática encoberta e autofala em sua concentração. Percebeu, também, maior regularidade nos movimentos complexos, como a saída, em que precisava empurrar o bloco. Parece que a autofala, como se esperava, o colocou sob controle da tarefa exigida. 

 

A Atleta 2 apresentou oscilações em seus tempos. A melhora de seu desempenho não foi constante, pois a atleta demorou a se familiarizar com a utilização das autofalas. Quando foi capaz de utilizálas, no décimo segundo dia, apresentou seu melhor tempo. A diferença entre o melhor tempo da linha de base (8,70 segundos) e do tratamento (8,47 segundos) revela melhora de 0,23 segundos. Pela análise dos relatos, verificamos que a Atleta 2 utilizou a prática encoberta, mas relatou que somente no oitavo dia de tiro (segundo dia de tratamento) foi capaz de imaginar o que deveria ser feito com mais clareza. No décimo dia, a atleta relata que ficou mais fácil cumprir a tarefa, o que é compreensível, pois como qualquer comportamento, a prática encoberta melhora com o treino. Ela relatou ter tido dificuldade na utilização das autofalas. Utilizou mais a palavra vai na largada e no final, do que passa na passagem de barreiras. No início, seus relatos mostram dificuldade em fazer discriminações proprioceptivas. Seus relatos não foram compatíveis com os resultados de seus tiros. Há, no entanto, uma evolução em seu relato. Aparentemente falar sobre seu desempenho aumentou suas discriminações tanto proprioceptivas quanto de variáveis ambientais.

 

No décimo primeiro dia de tiro, essa atleta utilizou autofalas que prejudicariam a melhora de seu desempenho. Ao invés de “vai” fala “errei, não vai dar”, destacando a punição pelo erro. De fato, nesse dia, obteve o segundo pior tempo do tiro da fase de tratamento (8,89s), só perdendo para o oitavo dia, no qual a atleta se disse cansada. Em função desses relatos, a pesquisadora discriminou que a autofala proposta não estava sendo eficaz e discutiu com a atleta outro verbal que se adequasse mais às suas necessidades. No décimo segundo dia, no treino de imaginação foi dada ênfase na saída, na qual a atleta se via empurrando o bloco, e a palavra vai foi substituída por empurra. Na passagem das barreiras, a palavra passa, foi substituída por vai. De fato, esta mudança pareceu interferir no tempo de tiro, o melhor obtido por ela (8,47s). A adequação das autofalas à tarefa e necessidades e repertório da atleta se revelam importantes. Após este tiro, a Atleta 2 pela primeira vez falou de emoções: “me senti bem”. 

 

Na entrevista, ela relatou sua dificuldade em utilizar as técnicas de prática encoberta e autofalas propostas, embora tenha afirmado que quando as utilizou, elas a ajudaram. Colocou, ainda, que as técnicas podem auxiliar na concentração e que “pensar facilita o fazer”. Os tempos do Atleta 3 indicam menor variabilidade, após início do tratamento. Observa-se que entre o melhor tempo da linha de base, 7,89 segundos e o melhor tempo do tratamento, 7,69 segundos (ou seja, há uma melhora de 2 décimos de segundo, embora a melhora não seja constante). O atleta disse que utilizou a imaginação em todos os tiros, bem como as autofalas. Seus relatos após os tiros foram “entusiasmados”: “psicologicamente foi meu melhor tiro até hoje, mentalmente foi meu melhor tiro, me senti muito bem, seguro. Falei vai e fui mesmo”. As autofalas pareceram ter a função de Sd para seu controle motor e concentração.

 

Na entrevista, o Atleta 3 deu ênfase à concentração. Segundo seus relatos, a prática encoberta e as autofalas o colocaram sob controle da corrida: “você só olha para a barreira, você só tem ouvidos, olhos só para ela”. Considerou que o exercício de prática encoberta e autofala o ajudou, dando uma deixa importante sobre o ambiente.

 

O Atleta 4 foi o que apresentou mais ampla melhora e manutenção de desempenho após introdução do tratamento, em que todos os tempos foram melhores do que a média da linha de base. A diferença entre o melhor tempo da linha de base (7,69 segundos) e do tratamento (7,59 segundos) indica melhora de um décimo de segundo. De maneira geral, esse participante foi capaz de fazer discriminações sutis sobre a técnica da corrida, e seus relatos foram coerentes com o resultado. Assim como os demais atletas, ele considerou que estas técnicas melhoram a concentração: “foi um dos melhores (tiros) até hoje. Concentração total. Fiquei orgulhoso. Nossa… foi bom, gostei”.

 

Na entrevista do Atleta 4, é possível notar a generalização e o reconhecimento da atuação profissional. Depois de ter participado da competição propriamente dita relatou: “foi show… porque eu pensava, caramba se ela (pesquisadora) me passou isso e eu tava conseguindo fazer isso no treino, então nada mais justo é você tentar fazer isto aqui na competição”. Relatou que a utilização das técnicas de prática encoberta e autofalas foram significantes na sua carreira e considera que melhoraram sua concentração e confiança. 

 

Após 20 meses, em novo contato com o Atleta 4, obteve-se o relato de que ele ainda utilizava as técnicas de prática encoberta e autofalas. Relatou: “uso até hoje, sempre”. Seu tempo em competições melhorou em relação aos observados no início do experimento.

 

A Atleta 5 foi a única que não apresentou melhora de desempenho com a introdução do tratamento. No primeiro dia da linha de base, realizou um tiro muito bom de 8,02 segundos, e o técnico comentou que a atleta vinha de uma fase muito boa, e que seria difícil que melhorasse seu desempenho, pois estaria no seu limite corporal. E, de fato, os tempos obtidos após a introdução do tratamento não foram melhores: o seu melhor tempo foi de 8,14 segundos, 0,12 segundos pior que o observado na linha de base. O tratamento foi relativamente curto, pelos grandes intervalos nos dias de tiros programados.

 

Embora tenham sido obtidos poucos registros de seus tempos, a Atleta 5, em seus relatos, considerou que a prática encoberta e as autofalas tiveram efeito sobre o comportamento de correr: “gostei, me senti bem. Melhor do que muitos tiros que já dei”, o que indica uma mudança. A atleta foi capaz de fazer comparações em sua história, com tiros passados, o que mostra discriminação proprioceptiva. Outro relato: “estava mais rápida do que a técnica” corrobora a idéia de que é necessário um tempo para que se assimile o encadeamento de comportamentos complexos a alta velocidade. 

 

Na entrevista, a atleta disse que foi capaz de utilizar os exercícios de prática encoberta e autofala e, como os demais atletas, afirmou ter melhorado sua concentração. 

 

A respeito do procedimento relatou: “em geral gostei muito e vou usar isso daí até quando eu parar de fazer atletismo”.

 

Constava do planejamento da pesquisa um seguimento para verificar os efeitos em longo prazo e se as técnicas de autofala e imaginação, quando aprendidas e utilizadas na situação natural de treinamento e competição, com boa aceitação pelos atletas, se integram na rotina de tiros. Isto se mostrou verdadeiro para os Atletas 4 e 5, os únicos que permaneceram na modalidade. Após 20 meses, ainda consideravam o tratamento como fator relevante nos tempos de tiro e continuavam a utilizá-lo, como parte natural do treinamento. 

 

 

 

Discussão

 

A pergunta das pesquisadoras, “Como foi o tiro?”, feita ao fim de cada tiro, deu condições para relatos de emoções e comportamentos durante a corrida. As análises dos tiros, feitas pelos atletas, mostram diferenças nas observações e discriminações de desempenho. Ao longo do tratamento, porém, perceberam-se nos relatos dos atletas, incrementos do autoconhecimento e da discriminação tanto corporal quanto do ambiente. As pesquisadoras solicitaram a descrição de como foi o tiro dando condições para os atletas prestarem atenção em seu desempenho, aumentando a discriminação. Segundo Skinner (1974/1993), falar sobre seu desempenho para uma comunidade verbal que faz perguntas, é a origem do conhecimento de si próprio. O Atleta 3, por exemplo, ao final do tratamento, fez relatos mais proprioceptivos, de fundamental importância, já que as mudanças proprioceptivas dão dicas sobre o desempenho. A Atleta 2 foi capaz de emitir um comportamento complexo e discriminar a necessidade de mudar a autofala. Relatou suas dificuldades e necessidades à pesquisadora, que identificou as dificuldades da atleta: empurrar o bloco de saída. Neste caso, a palavra vai não foi suficiente para dar-lhe uma deixa adequada do que fazer. A atleta passou então a usar empurra.

 

O ideal é que cada atleta encontre a autofala que corresponda à sua necessidade. Para a pesquisa foram escolhidas as palavras vai e passa com base na própria contingência e que tivessem características mais gerais para atender aos diferentes atletas. Mas no trabalho direto com os atletas, fica clara a necessidade da presença do psicólogo do esporte, exercendo o papel de comunidade verbal que permita autoconhecimento e, portanto escolhas mais adequadas. Como diz Skinner (1974/1993) diferentes comunidades geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros. O ambiente esportivo, mais especificamente o atletismo, é composto por uma comunidade com características próprias que devem ser respeitadas. A escolha das autofalas, portanto, tem que fazer parte deste repertório.

 

A prática encoberta e as autofalas tinham como objetivo a velocidade. No entanto, no início do tratamento, não há melhora no tempo de tiro, embora os atletas relatem que se sentiam rápidos. Os atletas estavam controlados pela velocidade, e o pesquisador também. A velocidade do ponto de vista esportivo, segundo Manso, Acero, Valdivieso e Caballero (1998), representa a capacidade de um sujeito para realizar ações motoras em um mínimo intervalo de tempo e com o máximo de eficácia. Porém, a velocidade está vinculada a outras qualidades como força, resistência, mobilidade, técnica e tomada de decisão. O valor que cada uma destas variáveis tem na velocidade varia de uma modalidade esportiva para outra. Os 100 e 110 metros com barreiras são modalidades extremamente técnicas, e pode ser considerado como um comportamento complexo: correr rápido implica em passar as barreiras com precisão. Para esses autores, a técnica de correr é o fator que realmente marca a diferença na execução rápida do movimento. De fato, após a introdução das autofalas, com objetivo de aumentar a velocidade, foi necessário um período de adaptação para se obter melhora no tempo de tiro. Com o treino, os atletas foram capazes de encadear os movimentos executados e a grande velocidade, sem diminuir seu rendimento. O melhor tempo da corrida é resultado do treino e da familiarização com as mudanças necessárias. Como vimos com o Atleta 2, a mudança da palavra vai por empurra deu uma deixa sobre o início da execução do movimento (empurrar o bloco de partida) necessária para o encadeamento de outros movimentos (como o pé correto para chegar à primeira barreira, etc.), podendo então melhorar a velocidade. Vemos o efeito do comportamento verbal sobre o não-verbal e a necessidade de adequação de ambos para resultado eficaz. Na literatura, Israel e Brown (1977) dizem que se deve considerar o conteúdo das frases em treinos de correspondência. 

 

Embora, neste estudo com atletas, não tenha sido feito um treino de corrrespondência verbal e não-verbal, nos moldes dos estudos de correspondência conhecidos em pesquisa básica, podemos constatar a relação e a necessidade de construção de metodologias suscitadas pelo problema de pesquisa. Nos relatos dos atletas a correspondência entre usar a regra e a melhora na velocidade aparece em frases como: “(ao usar a instrução) me senti muito mais rápido”. Segundo Deacon e Konarski-Jr (1987), quando um participante verbaliza um comportamento em particular, a probabilidade de realmente se engajar neste comportamento é muito alta.

 

Encontramos neste estudo que a autofala ou a regra instruída pelo experimentador contro-lou o comportamento não-verbal, melhorando o desempenho de quatro entre cinco corredores barreiristas. Catania, Matthews e Shimoff (1982) consideram, porém, que as respostas verbais modeladas, por gerar insensibilidade às contingências, é que controlam o comportamento não-verbal. 

 

A pesquisa aplicada em análise do comportamento verifica como os princípios de comportamento aplicados podem melhorar um desempenho. Também estuda quais componentes do tratamento podem ser melhorados e quais combinações de procedimentos são eficazes (Kerbauy, 2004). No entanto, ela ainda é um problema em aberto, sujeito a discussões sobre conceituação (Moore e Cooper, 2003).

 

Neste estudo, procurou-se utilizar o mesmo rigor do laboratório, em situação natural, com análises ponto a ponto; porém, pela natureza aplicada do estudo, há algumas diferenças de procedimento em relação à pesquisa de laboratório. Neste estudo, o verbal não foi diretamente reforçado para alterar o comportamento motor e, praticamente, não houve intervalo entre falar e fazer. A autofala dá uma deixa imediata do desempenho motor e, desempenhar corretamente parece ser o que reforçou os participantes, como vemos nos relatos do Atleta 1: “… descia rápido da barreira”; do Atleta 3: “… no fim consegui acelerar mais”; do Atleta 4: “… no final me senti mais veloz”. Há também o reforçamento pelo tempo final de tiro, o que sugere, como diz Paniagua e Baer (1982) que a correspondência é uma cadeia de comportamentos que pode ser desenvolvida por reforçadores ao longo da sequência. De fato, isto parece importante, pois o reforçamento experimentado pela autofala mantém o atleta treinando, mesmo que o tempo final não tenha melhorado. Isto aparece no relato do Atleta 4: “ao passar (as barreiras) me senti mais agressivo; no final me senti mais veloz; foi bom”, em dia que seu tempo não foi o mais expressivo. 

 

Para quase todos os atletas, a regra instruída (autofala) exerceu controle sobre o comportamento não-verbal (correr mais rápido), gerando comportamento motor menos sensível às contingências ambientais, melhorando assim a concentração. 

 

Outra análise possível é que a regra é instruída e ao mesmo tempo modelada. Isto é, o experimentador dá a instrução (autofala) e de acordo com a discriminação proprioceptiva, o atleta vai modelando a regra, na maneira e momentos exatos de falar, e até modificando-a, quando necessário, para melhorar o desempenho. Em última instância, a modelagem se dá pelas contingências. Parece que esta auto-regra atua na presença de contingências diversas como as variáveis ambientais, deixando o atleta mais sob controle da regra e, portanto do que fazer durante a corrida, do que de variáveis indesejáveis e incompatíveis com o correr rápido, como o vento ou adversários. Um acontecimento inesperado durante a pesquisa poderia servir como exemplo. As barreiras utilizadas no procedimento foram pintadas. De maneira informal, a experimentadora perguntou aos atletas se tinham percebido a mudança e todos responderam que não. Embora se necessitem experimentos controlados para esclarecer a função das diferentes variáveis da corrida com barreiras, podemos inferir que a variável relevante é a chegada. As autofalas vai e passa seriam a deixa adequada para focalizar a atenção do atleta na linha de chegada e, portanto deixá-lo mais rápido.

 

Vemos pelos relatos, que as descrições dos atletas são mais centradas na pessoa, isto é, mais no desempenho, do que no ambiente. Segundo Matthews, Catania e Shimoff (1985), a descrição de desempenho tem efeitos consistentes na resposta não-verbal. Na descrição dos tiros, podemos inferir o valor dado pelos atletas aos efeitos das autofalas, em relação ao desempenho não-verbal de correr rápido. Temos, como exemplo, os relatos do Atleta 3: “… foi meu melhor tiro até hoje… me senti muito bem, seguro. Falei vai e fui mesmo”. O Atleta 1 relata que ao fazer o tiro se sentiu “muito mais rápido, foi espantoso, descia rápido da barreira”. Consideramos que ao descrever o desempenho, o atleta pode melhorar, por dois motivos, por aprimorar seu autoconhecimento proprioceptivo e por aumentar a correspondência entre falar e fazer, preparando-o para o próximo tiro. O desempenho atual é estímulo discriminativo para o desempenho futuro. Matthews, Catania, e Shimoff (1985) salientam que é necessário um repertório verbal que possibilite descrições adequadas de desempenho. Os atletas deste estudo eram experientes e já tinham um repertório e discurso próprio relativos a esse ambiente. Neste caso, consideramos fundamental utilizar palavras, na escolha das autofalas, relativas a esse repertório. A escolha da autofala passa (que descreve desempenho) foi sugestão do técnico. No início, as pesquisadoras pensavam em usar a palavra salta, na passagem das barreiras, o que é incompatível com o significado atribuído pelos atletas. Salta, para os atletas, significa ir longe e alto, como no salto em distância. Para a passagem das barreiras, porém, o esperado é que o passar seja rente à barreira e rápido. Sendo assim, só é possível criar uma correspondência entre falar e fazer, se a escolha do verbal for coerente com a tarefa proposta e o desempenho for reforçado pelo estilo percebido e tempo conseguido ao correr.

 

Ressaltamos a importância de que o trabalho do psicólogo do esporte esteja de acordo com o trabalho do técnico, que por conhecer o esporte em detalhes, tem informações pertinentes e coerentes ao desempenho. O psicólogo, com anuência do técnico, utiliza estas informações para analisar variáveis de controle e ambientais a fim de auxiliar os atletas. Nesta pesquisa, a informação do significado da palavra passa foi valiosa para os resultados obtidos.

 

Destaca-se neste estudo que os relatos da Atleta 2, em diversas ocasiões, foram sobre a dificuldade em utilizar as autofalas sugeridas. Seu tom de desculpas por não ser capaz de utilizar o que foi proposto, revela o quanto ficou sob controle da auto-regra “seguir o que foi pedido”, construída provavelmente por sua história de vida e fortalecida pela presença do experimentador, que está ao final do tiro à espera de seu relato. Risley e Hart (1968) colocam que os comentários de professores (ou, neste caso, da experimentadora), podem ser caracterizados como estímulo discriminativo adicional, especificando contingências de reforçamento. Aparentemente, para a Atleta 2, o reforço vinha mais da aprovação da experimentadora, pelo fato de ter usado as técnicas propostas, do que pela melhora no tiro propriamente dito. Matos (2001) diz que “… é preciso aceitar a evidência que sujeitos humanos formulam regras (regras derivadas de instruções recebidas ou regras derivadas da experiência passada desses sujeitos), e que agem de acordo com essas regras, mesmo que algumas vezes essas regras não sejam compatíveis com as contingências de fato presentes” (p.56). Para essa atleta, embora a palavra vai não lhe desse uma deixa adequada do que fazer, ela insistia em utilizá-la. A pesquisadora discriminou, no entanto, que a fala vai não era eficaz por não descrever o repertório da atleta. Escolheram outro verbal (empurra, na saída do bloco), que se adequasse ao seu comportamento e permitisse desempenhos efetivos. Com esta mudança, a atleta melhorou seu tempo. Deacon e Konarski-Jr (1987) dizem que as informações necessárias para a formulação de regras está nas interações verbais entre participante e experimentador. De fato, a psicologia do esporte mostra que há diferença entre simplesmente aplicar técnicas e ser capaz de analisar comportamentos e sua função, dentro do ambiente esportivo, dando condições de discriminações mais apuradas e portanto de melhores resultados (Scala, 2004). Todos os atletas apresentam picos de melhora de tempo, embora nem sempre o mantenham. Ao utilizar a imaginação e autofala, os atletas ficam sob controle das contingências do correr, mas ainda não têm total domínio da velocidade. Além disto, variáveis ambientais como vento, fazem diferença no resultado que se altera em décimos e centésimos de segundos. No ambiente natural, cada contexto é diferente, e os atletas se mostram muito sensíveis a qualquer mudança e esta discriminação sutil nem sempre ajuda. Parece que os estímulos se encadeiam de maneira diferente para cada contexto. A autofala pode, então, instalar novos operantes discriminativos, ou mudar a função do estímulo discriminativo, deixando os participantes menos suscetíveis às mudanças que nem sempre conseguem descrever. Talvez com outras regras e mais treino, os resultados observados neste estudo se mantivessem ao longo do tempo. 

 

A presença da experimentadora na coleta de dados é uma variável de controle a ser considerada. Ela pode ser um estímulo discriminativo adicional para a melhora. Embora não fosse planejado, há sempre a possibilidade de a experimentadora ter reforçado involuntariamente com expressão verbal ou não-verbal em forma de sorriso ou aceno de cabeça o relato e o uso da técnica. Uma vez que os atletas relataram como as técnicas foram eficientes e, de fato, melhorarem os tempos de tiro, o satisfazer o experimentador perde o valor reforçador para os próximos tiros. Há apenas uma exceção. O Atleta 4 manteve o tempo estável mesmo depois da introdução das técnicas, mas seus relatos e a entrevista revelaram entusiasmo pelas técnicas e pela presença da experimentadora, que parece ter permanecido como reforçador. Além disto, parece que a autofala vai não o deixava desistir no final, sua grande queixa em competições. Segundo o atleta: “... acho que foi magnífico, cem por cento mesmo, porque antes eu entrava na prova todo apavoradão, querendo decidir na raça, no peito e agora tenho esse trabalho para fazer, memorizar durante... me ajudou pra caramba no Troféu Brasil”. O verbal entrou como uma resolução de problema, uma vez que o levou a emitir uma resposta capaz de produzir condições reforçadoras. Para Skinner (1974/1993), resolver problema é emitir resposta, que dê condições de reforçamento, e pode surgir das contingências ou de instruções fornecidas por outrem.

 

Estas questões suscitam uma discussão levantada por Catania, Matthews e Shimoff (1982) sobre a mudança do comportamento humano. A partir destes dados, poder-se-ia supor que o caminho para a mudança é simplesmente modificar a fala privada do indivíduo, ou em outras palavras, o que o indivíduo pensa. Mas, não se pode esquecer que pensamento é comportamento e se tal comportamento é eficiente como uma instrução, há relação com o arranjo das contingências pela comunidade verbal e o seguimento de instruções. A autofala pode funcionar como uma nova opção de pensamento, direcionando o atleta para o foco exigido pela tarefa. Portanto, é fundamental que ela seja antecedente ao desempenho esperado. O comportamento complexo implica em ações e palavras. Neste estudo, as instruções modificaram pensamentos e ações, ao colocar o indivíduo em contato direto com contingências específicas do correr. O que se obteve foram respostas mais rápidas, consequência esperada nos esportes de velocidade.

 

Esta pesquisa mostrou que a utilização de autofalas, quando adequadas, podem melhorar o desempenho motor. O importante é que as autofalas sejam formuladas segundo contingências ambientais pertinentes ao objetivo desejado, neste caso, a velocidade. O que se vê é que a regra mesmo quando instruída, acaba tendo sua utilização continuada, uma vez que o momento exato e a maneira de utilizar a regra vão depender da necessidade imposta pela situação presente.

 

Ao analisarmos as entrevistas, observamos que as técnicas de prática encoberta em forma de imaginação e autofalas são bem aceitas pelos atletas, que garantem que continuaram e continuarão a utilizá-las pelos efeitos percebidos. E, de fato, após 20 meses da coleta dos dados, em novo contato com os atletas, dois deles, os Atletas 4 e 5, relataram que continuavam a utilizá-las e melhoraram seus desempenhos em competições; ambos alcançaram índice olímpico e representaram o Brasil na olimpíada de Atenas em agosto de 2004. Os dois consideram que a utilização da prática encoberta e autofalas fizeram diferença no desempenho. O Atleta 4 relatou: “Uso até hoje, sempre. Me ajuda muito”. E a Atleta 5: “tenho mais controle para me concentrar, mais domínio. Uso toda hora”.

 

Nesta pesquisa, encontramos que o desempenho motor, correr, pode melhorar com a utilização das práticas encobertas de imaginação e autofalas, quando adequadas à situação e necessidades dos atletas, pois os coloca sob controle da situação de correr, melhorando sua concentração. Isto ocorre mesmo com atletas experientes, cujo comportamento motor está bem instalado, a auto-instrução se mostrou eficiente. A corrida de 100 e 110 metros com barreiras é um comportamento complexo, e o fato de os atletas serem experientes permite discriminações sutis do movimento e do ambiente, o que aumenta os estímulos que distraem. A regra acentua o que é relevante, deixando o atleta menos suscetível às interferências e, portanto, mais rápido. Skinner (1969), ao falar de regras, diz que marcamos uma pista, porque assim se intensificam estímulos discriminativos que podem ser também reforçadores.

 

Respondendo ao objetivo desta pesquisa, o uso de autofalas que especificam contingências presentes de velocidade, melhoraram o desempenho motor. A regra instruída, específica, indicando parcialmente o desempenho motor, formulada e usada segundo contingências ambientais, foi adequada para a melhora da velocidade de corredores barreiristas. O fato de o trabalho ter sido feito com corredores de alto nível implicou num número reduzido de participantes, pois há poucos atletas no Brasil dentro das especificações determinadas para o estudo. Além disto, a melhora de desempenho se caracterizou por décimos e centésimos de segundo, o que pode ter minimizado (mascarado) o efeito das técnicas utilizadas. Porém, consideramos que os relatos dos atletas são a garantia de que as técnicas, se bem utilizadas, são eficientes a ponto de auxiliar na melhora de tempos que permitiram a classificação para eventos internacionais como a Olimpíada. 

 

A melhora do desempenho no esporte depende de diferentes aspectos, o social, o motor, a técnica da corrida, as variáveis ambientais, entre outros. Pesquisas de temas atuais são necessárias, pois permitem novas análises para melhor compreensão das situações e, portanto melhores resultados. Embora pesquisas no ambiente natural busquem o rigor de laboratório, muitas vezes se deparam com variáveis inesperadas e que levam a novos problemas de pesquisa. Construir metodologias pode facilitar o trabalho aplicado. 

 

 

 

 

 

Referências

 

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Recebido em: 15/01/05 

Primeira decisão editorial em: 05/06/05 

Versão final em: 03/11/05 

Aceito em: 22/11/05

 

 

 

 

 

1 Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. cscala@usp.br

2 Professora Titular do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. rkerbauy@usp.br 

3 Autofala é a tradução para o termo self-talk. Este termo também foi traduzido por autoconversação, mas os autores consideram auto-fala mais adequado. Em espanhol se usa auto-habla. 

 

 

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Fonte: Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 2005, v.7 n.1

  

 

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